quarta-feira, 1 de agosto de 2007

INVERNO E GAUCHISMOS

Na medida que os anos vão passando parece-me que o inverno fica mais inclemente. Sinto mais frio. Como, com o passar dos anos, dorme-se menos eu me acordo, cada vez, mais cedo. Assim curto melhor a geada, do que aqueles que resolvem dormir até mais tarde.

Neste inverno, do ano de 2.007 da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, levantei-me ordinariamente todos os dias por volta das 6:20 horas, isto é, antes que o sol viesse beijar as faces rosadas da mulher amada, e pude apreciar a beleza de nossas ruas viamonenses tomadas de geada e no campo encruzilhadense, onde crio alguns animais, sorver a plasticidade do branco que contrastava com a grama verde, onde os animais sacudindo o gelo deixavam a cama natural levemente demarcada num tapete branco.

Depois caminhando pelos campos tomados de geada eu senti um ventinho leve e gélido, suave e cortante, benfazejo e castigante, que simbolizava para mim todos os contrastes que o homem moderno vive, e mais tarde saiu o sol no início timidamente, como se não quisesse incomodar a natureza vestida num manto alvo, e na medida que o manto se estiolava o sol ia aquecendo os animais, que se levantavam e procuravam algum pasto que não estivesse congelado. Lindo, é muito lindo apreciar estas forças da natureza. Até me esqueci que as botas estavam molhadas de geada derretida e um friozinho danado subia pelos pés e invadia as bombachas e me gelava.

E quando o sol já era dono da situação, com o pingo encilhado era hora de inspecionar os animais e invernadas para ver o estrago feito e as possibilidades de pastoreio. Aparteei alguns animais mais fracos para colocar numa pastagem de azevém e aveia. Examinei as ovelhas e suas crias. E assim foi todo o dia. Era tão gostoso que o corpo, já meio velho (sou exibido), não se cansou. Senti um prazer indescritível nesta tarefa de ser cúmplice e antagonista, ao mesmo tempo, da mãe natureza.

E quando a noite ia caindo, vi que era hora de acender o fogão à lenha para aquecer a água do chimarrão, preparar o arroz carreteiro, fazer passar a “caninha” de mão em mão, contar velhos causos dos tempos antigos e algumas mentiras atuais, que ditas com tanta seriedade parecem verdade (parece, sim, é coisa de político). O fogo ia sendo alimentado com paus de eucaliptos, galhos velhos de aroeira, de carvalho, de cambará, de acácia, de tarumã e a fedorenta capororoca, que tornavam quase vermelha a chapa. A cozinha ficou aquecida pelo fogão, pelo chimarrão, pela pipoca, pelo pinhão, pela cachaça, que a noite entrou quente, escura, medonha ao desenhar nas paredes figuras exóticas projetadas pela luz parca ...

E a mulher reclamando de que as roupas e as pessoas ficariam com cheiro de lenha queimada! Ainda terei uma cozinha só minha, no melhor dos estilos campeiros, com um fogão para queimar moirões velhos e madeiras de metro e meio de comprimento, velhas panelas de ferro, pretas e feias por fora, e eficientes por dentro. Com mesa, bancos e cadeiras feitas de madeira do mato, pelegos bem curtidos da cruza de Merino com Texel, panos de linho branco, tapetes de couro de gado bovino, guampas cheias de cachaça, uma estante cheia de livros, um baú de pilchas, uma cristaleira para guardar as louças e copos, um varal de lingüiça defumada, tulhas cheias de mantimentos, uma manta de charque de ovelha, e outras tralhas que bem suprem o corpo e alma do gaudério.

O inverno, segundo o amigo Catito, ovelheiro de quatro costados, faz com que os sobreviventes das geadas sofram a seleção natural e sejam os animais mais aptos à procriação e à produção de carne e lã. Será que não se dá o mesmo com a gente?

JOSÉ TADEU PEREIRA DA SILVA

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